Mãe faz homenagem póstuma a filha

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Ana Luiza Etrusco Bueno, ou simplesmente Analu, de 15 anos, nos deixou na última semana após ser exemplo de luta pela vida

 

No último dia 11, faleceu na Santa Casa de Poços de Caldas, aos 15 anos, após muito lutar pela vida, a guerreira Ana Luiza Etrusco. Ela nasceu com paralisia cerebral e sempre se tratou na Irmandade, mas nos últimos meses passou a maior parte do tempo internada no Hospital, onde contagiou a todos com sua vontade de viver.

A mãe, Sandra Etrusco, sempre lutou muito por sua filha e, após ver ela descansar, escreveu uma linda homenagem. Em um dos trechos, ela fala um pouco da luta de sua filha. “Minha filha Ana Luiza teve sua morte física no dia 11.02.2019, após um longo período de um ano e meio de sofrimento intenso. Apesar da saudade, a certeza profunda de uma inteligência cósmica graciosa, delicada e perfeita me impele a voltar os olhos para o seu belo futuro e olhar o passado de forma menos caótica, mais digna. Não há retrocesso nessa estrada: é ela que nos ensina sobre o nosso destino.  Ela nasceu contra todas as circunstâncias, minha filha sofrida. Sob as batidas de um coração firme, deixou o exemplo do que é viver sem desistir, nem se render: nunca abandonou sua alegria de viver o que tinha a viver”, escreveu Sandra.

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Em outra parte, ela conta como foi o momento de ver a filha descansar. “No seu último dia na carne, diante do sofrimento extremo, pedi a Deus que a levasse, pois se procuramos entre os homens virtudes como nobreza e dignidade, muito mais devemos esperá-las de Deus. Morta de toda a razão e fé, levantei-me e sussurrei ao seu ouvido: ‘feche os olhinhos pra dormir, ir pro céu’. Fui para casa e aguardei que ligassem informando seu óbito, o que levou mais duas horas e meia. Ela fez o que tinha a fazer: desprezou seu coração. O único fragmento do seu corpo que suportava toda aquela angústia intacto, se tornara um peso para sua caminhada. Seu sepultamento foi singelo. Com um nó na garganta, cantei as músicas que ela gostava - A Thousand Years, Morning has Broken, etc. Não é fácil enfrentar o funeral de uma criança. Passei por isso antes e experimentei o sentimento de terror de que pudesse ser conosco. Temos medo. Mas quando chegou nossa vez, não estava mais vulnerável àquilo. Logo, desse medo eu não morreria mais. A dor vem aos poucos, todos os dias, pelo mecanismo da saudade, mas é suave, pois existe uma expectativa de reencontro e de uma maior compreensão. Talvez a vida na matéria não seja mais que um filme que fará parte do nosso acervo espiritual. Se assim for, o apego às formas não faz sentido. Se não for, também não faz, pois não teremos outra oportunidade”, conta a mãe.  
Ao final, Sandra agradeceu a todos que a ajudaram nessa jornada. “Obrigada ao Hospital Santa Casa de Poços de Caldas por cada ato de bravura e grandeza, de zelo e afeto. Dirigentes e colaboradores de todos os setores, amigos que conquistamos e companheiros de jornada que tantas vezes choraram nossas dores e nos confortaram: vocês são nossa família também. À população que colabora para a manutenção desse local sagrado, onde se realiza a verdadeira obra de amor proclamada por Jesus: curai os enfermos. À administração municipal, pelo socorro e apoio o hospital que nos acolheu. Aos avós da Ana Luiza, que sempre estiveram presente, lhe dedicando todo o amor e cuidado ao longo da vida, em especial à avó/mãe Cida. Pai Marcelo, sem ele ela não seria quem foi. Só isso já justifica a sua existência. Ela adorava exibir a beleza com orgulho, sempre que dizia que ela era a cara do pai. Lívia, a irmã de coração: que sua vida seja tão feliz quanto você fez a vida dela feliz. A todos por seus afetos e cuidados, à espiritualidade. Gratidão profunda”, relatou Sandra.

 

Caso desafiador e de crescimento

 

Segundo o diretor técnico da Santa Casa, Dr. Alberto Volponi, Ana Luiza nasceu com paralisia cerebral por causa de um sofrimento fetal. Ela foi tendo as complicações naturais de sua patologia: distorção da coluna,  lordose e uma escoliose bem acentuada, o que dificultou a parte respiratória. Depois ela foi ficando espástica, o que a deixou mais enrijecida, dificultando mais a respiração e a alimentação. No final, ela teve que fazer uma traqueostomia e uma gastrostomia para poder alimentar. Por isso, no último ano, ela viveu dentro do Hospital.

“Foi um caso bastante difícil, com muitos desafios médicos. Com cirurgias difíceis. Para a mãe foi um desgaste muito grande. A Ana Luiza sempre foi uma menina muito querida, a gente tentou cuidar muito bem dela aqui. A mãe sempre brigou por ela, obviamente, então isso gerou alguns desgastes, mas no final das contas todo mundo cresceu com esse processo. Nós conseguimos, ao longo dos meses, criar uma afinidade, uma relação bacana, de confiança e hoje ela  agradece a Santa Casa por tudo que foi feito. Nós também agradecemos a ela, pois sabemos que foi uma luta muito grande, admiramos ela por isso. Hoje a Analu está descansando, foi um final de vida bastante difícil e a gente só deseja que a mãe seja plenamente consolada”, afirma Dr. Alberto Volponi.

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Confira a homenagem da mãe Sandra para filha Analu na íntegra:


Dificilmente encontraremos honra na verdade, mas a verdade nos permite encontrarmos a honra em nós mesmos.  
Existe honra espiritual e felicidade nas batalhas mais duras da vida, pelas quais pagaríamos nosso último centavo para não ter que enfrentá-las. Quantas vezes perguntei ao Deus do meu coração o que fazer, e tive como resposta: faça todo o possível. E quando nada mais era possível, a resposta foi - continue fazendo o possível... O amanhã é apenas uma possibilidade.
Minha filha Ana Luiza teve sua morte física aos 11.02.2019, após um longo período de um ano e meio de sofrimento intenso. Apesar da saudade, a certeza profunda de uma inteligência cósmica graciosa, delicada e perfeita me impele a voltar os olhos para o seu belo futuro e olhar o passado de forma menos caótica, mais digna. Não há retrocesso nessa estrada: é ela que nos ensina sobre o nosso destino.
Nasceu contra todas as circunstâncias, minha filha sofrida. Sob as batidas de um coração firme, deixou o exemplo do que é viver sem desistir, nem se render: Nunca abandonou sua alegria de viver o que tinha a viver.
Nos piores dias, quando eu nada podia fazer, nem mesmo confortá-la em meu colo, cheguei a invejar a Pietá, que apenas representa a dor de uma mãe, sem senti-la, mas da qual ninguém arrancaria seu filho dos seus braços sem destruí-la também.
Desempenhar minha condição humana e superar a impotência para que sua alegria e esperança em dias melhores não se perdesse, foi o que me manteve de pé. Fosse cantando, falando de esperança sobre seu futuro na sua casa (opção 1) e das maravilhas que a vida no corpo espiritual nos reserva (opção 2), procurava tranquilizá-la para que ela não tivesse medo, nem de viver, nem de morrer. Não foi fácil, mas tive que superar a minha própria morte como mãe para fazer o que tinha que ser feito: Primeiro, a morte do meu instinto que se tornava auto destrutivo pela dor; depois, a razão limitadora das verdades espirituais ocultas aos nossos olhos.
Há mais beleza e sabedoria na compreensão da vida do que nos fatos da vida em si. A  filha da minha ignorância foi também a mãe do meu crescimento. Atender suas necessidades me permitiu ser uma pessoa mais digna. Ter as minhas necessidades de atendidas por alguém tão vulnerável, me permitiu ser infinitamente feliz. Sabia que estava indo bem porque sempre que ela ouvia minha voz, ficava feliz. Bastava trazer o que eu era, nada mais. Uma estrela, que amava a vida pelo que ela é e as pessoas pelo que elas são. Por mais hostis que fossem as condições na matéria, ela brilhava feliz.  
Seu livro da vida na matéria chegou ao fim, mas sua verdadeira história está escrita na espiritualidade, por mecanismos que não podemos controlar ou influenciar. Saber que existe uma verdade incorruptível sobre ela me tranquiliza, pois eu não teria como me expressar sobre ela sem antes passar por mim, pelos anos em que 48 horas por dia corriam sobre um único relógio, espremidas em 24. Anos em que encontramos a harmonia na renúncia recíproca, involuntária, mas repleta de certeza de que estarmos juntas era uma oportunidade única para uma felicidade única, que não se repetirá.
Quando um filho chega ao mundo, o nosso universo se expande. A luz do astro mais distante no céu não é tão significativa quanto aquela que chega no olhar de um filho. É uma declaração da espiritualidade, uma prece de Deus para cada mãe, um pedido individualizado de compromisso, que contém algo que você precisa alcançar para crescer. Muitas são as oportunidades desperdiçadas, muitas são as preces espalhadas pelo mundo aguardando serem atendidas. Me faz pensar se não estaremos invertendo o sentido de quem deve atender a quem, quando pensamos na espiritualidade... Fazemos tantas preces e tão poucas atendemos...
Mas se não temos nós as virtudes necessárias para atender as preces do criador, o mais prodigioso dos filhos pode parecer um medíocre aos nossos olhos. Perceber que não tinha essas virtudes só foi possível porque, por algum motivo, contra todas as possibilidades, minha filha sobreviveu por tempo suficiente para que eu pudesse me enxergar através dela e me esforçar para cumprir a prece que ela trazia: Me ame!  E eu que tinha um coração egoísta, me desfiz em mãe, irmã e amiga, pois ela precisava de uma criança para brincar também e, bem... Se você já parou para observar, talvez tenha percebido que não se educamos crianças para se tornarem atendedores de preces.
Kalil Gibran, sobre a prece, em seu livro O Profeta sintetiza uma visão de prece da qual partilho: “Deus não ouve as vossas palavras, a não ser quando ele próprio as murmura através dos vossos lábios.”  
Sobre a fé, também chegou meu momento de não saber o que é e foi quando precisei dela. Nem toda a teoria me possibilitou encontrar a fonte dos milagres para a carne humana, nem mesmo a convicção de que isso seja desejável, mas pude fixar a experiência de que é através do nosso esforço que o plano espiritual atua em prol da causa a que nos dedicamos – E apenas a causa a que nos dedicamos de corpo e alma, até a exaustão. Não existe substituto para o trabalho humano. Quando nos vinculamos a uma tarefa, nos comprometemos com o ideal superior que rege a nossa posição e não podemos profanar esse templo individual, pois não haverá milagres para corrigir nossos erros; teremos que conviver com eles, na melhor das hipóteses, tentando redimi-los. Essa é a nossa real condição sagrada, pois não fomos nós quem a estabelecemos. Está nas leis da natureza. É a única fé que posso testemunhar: a obrigatoriedade da resposta humana às necessidades sagradas da vida.
Graças aos dias difíceis e ainda mais, aos dias mais difíceis do que imaginávamos possível, constatei, a propósito do sofrimento, que se não nos comportarmos como irmãos uns dos outros, mesmo dos nossos filhos, o peso das experiências dolorosas e frustrações irá nos desfigurar como seres humanos, retirando nossa capacidade de compreensão da vida como um fluxo contínuo de experiências igualmente importantes. E foi em um desses dias que cada paciente naquela UTI que se recuperava passou a me despertar uma alegria tão genuína como se da minha própria filha se tratasse. Pela primeira vez, valorizei tanto outro ser humano além da minha filha.
No seu último dia na carne, diante do sofrimento extremo, pedi a Deus que a levasse, pois se procuramos entre os homens virtudes como nobreza e dignidade, muito mais devemos esperá-las de Deus. Morta de toda a razão e fé, levantei-me e sussurrei ao seu ouvido: ”Feche os olhinhos pra dormir, ir pro céu...” Fui para casa e aguardei que ligassem informando seu óbito, o que levou mais duas horas e meia. Ela fez o que tinha a fazer: Desprezou seu coração. O único fragmento do seu corpo que suportava toda aquela angústia intacto, se tornar um peso para sua caminhada.
Seu sepultamento foi singelo. Com um nó na garganta, cantei as músicas que ela gostava - A Thousand Years, Morning has Broken, etc. Não é fácil enfrentar o funeral de uma criança. Passei por isso antes e experimentei o sentimento de terror de que pudesse ser conosco. Temos medo. Mas quando chegou nossa vez, não estava mais vulnerável àquilo. Logo, desse medo eu não morreria mais. A dor vem aos poucos, todos os dias, pelo mecanismo da saudade, mas é suave, pois existe uma expectativa de reencontro e de uma maior compreensão. Talvez a vida na matéria não seja mais que um filme que fará parte do nosso acervo espiritual. Se assim for, o apego às formas não faz sentido... Se não for, também não faz, pois não teremos outra oportunidade.
Se aprendi a me posicionar diante do amor, da dor, da impotência, do arrependimento, da fé, da descrença, do desespero, do desconhecido, do erro e da morte, foi graças a esse ser amado, que hoje homenageio com gratidão: Minha sempre amada, Ana Luiza. Se carrego as marcas de algo de humano e digno, é porque fui amada e necessitada por ela e a amei como quem ama a Deus.
No retorno do funeral, deitei-me na minha cama, sentindo um gelo no útero. Antes de entrar no sono, propriamente, um rápido sonho, mas bastante lúcido, tomou conta da minha consciência:  Eu caminhava por uma trilha, no interior de uma montanha rochosa, de tons azulados que reluziam na escuridão. À minha frente, uma criatura procurava por algo. Encontrou uma esfera dourada reluzente como o sol encravada entre as rochas. Estendendo sua mão para tentar arrancá-la da rocha, ouviu-se uma voz que ordenava: “Se encontrares uma esfera dourada entre as rochas da montanha, não a retires. Não a tomes como tua. Ela pertence à montanha.” Olhando para trás, viu a guardiã da montanha, encostada em uma rocha, tão semelhante â estrutura da rocha que não se percebia sua presença. Despertei com um forte sentimento de responsabilidade por cada esfera dourada encravada no rochedo de cada montanha, de cada vida no útero materno... Ainda que a vida retire nossos frutos, não retira nossa responsabilidade sobre o que restou e sobre aquilo que ainda está por vir.  
Estarei sempre junto de você, Ana Luiza, através do espaço luminoso que você ocupa dentro de mim: uma vez no útero, agora na alma. Te amo, para além da forma...
Com saudade e gratidão,
Mamãe...

Agradecimentos
Obrigada ao Hospital Santa Casa de Poços de Caldas, por cada ato de bravura e grandeza, de zelo e afeto. Dirigentes e colaboradores de todos os setores, amigos que conquistamos e companheiros de jornada que tantas vezes choraram nossas dores e nos confortaram: Vocês são nossa família também.
À população que colabora para a manutenção desse local sagrado, onde se realiza a verdadeira obra de amor proclamada por Jesus: curai os enfermos.
À administração municipal, pelo socorro e apoio o hospital que nos acolheu

Aos avós da Ana Luiza, que sempre estiveram presente, lhe dedicando todo o amor e cuidado ao longo da vida, em especial à avó/mãe Cida:
Bravos guerreiros, velhos leões...

Pai Marcelo, sem você ela não seria quem foi...
Só isso já justifica a sua existência.
Ela adorava exibir a beleza com orgulho, sempre que dizia que ela era a cara do pai...

Lívia, a irmã de coração: Que sua vida seja tão feliz quanto você fez a vida dela feliz...

A todos por seus afetos e cuidados,

À espiritualidade...

Gratidão profunda.